O QUE EU VI O QUE NÓS VEREMOS.



SANTOS=DUMONT
INVENTOR

São Paulo
1918


Estas notas são dedicadas
aos meus patrícios
que desejarem ver
o nosso céu povoado pelos
Pássaros do Progresso


Nova York, 15 de Maio de 1918
Meu caro Sr. Santos-Dumont

O Aero Club da América envia-nos uma mensagem de congratulações pela inauguração do primeiroServiço Postal Aéreo neste País. Confiamos em que a Linha Postal Aérea inaugurada entre Nova York, Filadélfia e Washington, que vos leva esta mensagem, será um primeiro passo para uma rede de linhas postais aéreas que cobrirá o mundo e será fator predominante na obra de reconstrução que se seguirá à guerra, quando os exércitos aliados houverem alcançado a vitória gloriosa e final pela causa da liberdade universal.

Ao rápido desenvolvimento da navegação aérea no continente seguir-se-ão, em breve, extensos vôos sobre os mares, e teremos grandes aeroplanos cruzando o Atlântico, os quais facilitarão não só o estabelecimento da linha postal aérea transatlântica, como a entrega de aeroplanos dos Estados Unidos aos nossos aliados.

O Aero Club da América, que tem propugnado pelo desenvolvimento da aeronáutica desde os vossos primeiros ensaios, ativado e auxiliado por todos os meios a criação do serviço postal aéreo desde 1911, sentese altamente compensado com o estabelecimento desse novo serviço através dos ares.

Alan R. Hawlei (Presidente)


Esta carta veio encher de legítima alegria o meu coração que, há já quatro anos, sofre com as notícias da mortandade terrível causada, na Europa, pela aeronáutica. Nós, os fundadores da locomoção aérea no fim do século passado, tínhamos sonhado um futuroso caminho de glória pacífica para esta filha dos nossos desvelos. Lembro-me perfeitamente que naquele fim de século e nos primeiros anos do atual, no Aero Club de França que foi, pode-se dizer "O ninho da aeronáutica" e que era o ponto de reunião de todos os inventores que se ocupavam desta ciência, pouco se falou em guerra; prevíamos que os aeronautas poderiam, talvez, no futuro, servir de esclarecedores para os Estados Maiores dos exércitos, nunca, porém, nos veio à idéia que eles pudessem desempenhar funções destruidoras nos combates. Bastante conheci todos esses sonhadores, centenas dos quais deram a vida pela nossa idéia, para poder agora afirmar que jamais nos passou pela mente, pudessem, no futuro, os nossos sucessores, ser "Mandados" a atacar cidades indefesas, cheias de crianças, mulheres e velhos e, o que é mais, atacar hospitais onde a abnegação e o humanitarismo dos rivais reúne, sob o mesmo teto e o mesmo carinho, os feridos e os moribundos dos dois campos. Pois bem, isso se repete há quatro longos anos, e quem o "manda fazer"? - O Kaiser!

Façamos, pois, votos pela vitória dos aliados; triunfem as idéias do Presidente Wilson e se extinga na terra o militarismo prussiano. Assim como com a Polônia atual a sociedade suprimiu os cidadãos armados, suprima as matanças da guerra o desejado Exército das Nações.

Confiante nesse futuro, reconfortou-me a mensagem do presidente do Aero Club da América, em que ouvi falar, de novo, da aeronáutica para fins pacíficos, realização de minhas íntimas ambições, sonho daqueles inventores que só viram no aeroplano um colaborador da felicidade dos homens.

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Creio, deveria ser chamada "época heróica da aeronáutica" a que compreende os fins do século passado e os primeiros anos do atual. Nela brilham os mais audaciosos arrojos dos inventores, que quase se esqueciam da vida, por muito se lembrarem de seu sonho.

Enchem-nos, hoje, do mais justo entusiasmo os atos de bravura dos aviadores do "front", como nos encherá de orgulho a notícia da travessia do Atlântico, que prevejo próxima.

Essa coragem, porém, que os consagra como heróis, creio, não é maior que a dos inventores, primeiros pássaros humanos, que, após heróica pertinácia em estudos de laboratório, se arrojaram a experimentar máquinas frágeis, primitivas, perigosas. Foram centenas as vítimas dessa audácia nobre, que lutaram com mil dificuldades, sempre recebidos como "malucos", e que não conseguiram ver o triunfo dos seus sonhos, mas para cuja realização colaboraram com o seu sacrifício, com a sua vida.

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